terça-feira, 3 de abril de 2012

[ Pelotas.R.S ] Entrevista com os compas do squat 171.

“Surgiu de uma necessidade de ter um lugar para habitar, pensar e praticar o anarquismo”



[A seguir entrevista com o Coletivo Tranca Rua, da cidade de Pelotas (RS), que fala sobre o Squatt 171, de quando ele surgiu, suas atividades...]                                                                                                                                                                    Agência de Notícias Anarquistas > Vamos começar esta conversa com vocês fazendo uma apresentação breve da cidade de Pelotas para quem não a conhece. Pode ser?
Coletivo Tranca Rua < Pelotas é uma cidade com mais ou menos 350 mil habitantes, situada ao sul do Rio Grande do Sul, numa região de banhados, dentro do que chamamos Pampa Gaúcho. Por ser uma cidade universitária, muitas coisas giram em torno dos estudantes. O próprio mercado imobiliário tem crescido o olho para este crescente nicho de mercado. A cidade está prestes a completar 200 anos, e como habita aqui uma burguesia, meio falida, que sonha voltar aos tempo áureos dos casarões, do charque (só se fala nisso), dos cavalheiros distintos e seus chapéus, das senhoras bem educadas que desfilavam pelo centro pensando que estavam em algum lugar da Europa, estão programando uma grande festa para comemorar o grande júbilo da sociedade pelotense, talvez para esquecermos que todos esses casarões e fazendas de charque foram construídos com mão escrava, e embora mais da metade da população seja negra, quase não vemos negros na universidade nem morando no centro da cidade. E tem gente que nem acredita que existam tantos negros por aqui (há quem diga isso do Rio Grande do Sul).
Pelotas é uma cidade culturalmente fértil, com uma tradição cultural muito diferenciada que foi se perdendo com o tempo. Hoje tem uma galera que está revivendo esta história através da produção audiovisual, em documentários como “O Grande Tambor”, que foi produzido pelo Coletivo Catarse, e “O Liberdade” do Moviola Filmes.
O anarquismo também teve grande expressão por esses lados, principalmente nas primeiras décadas do século XX, período das grandes greves operárias e quando os sindicatos ainda não eram aparelhos do Estado. Nós estamos preparando um documentário sobre a história do anarquismo em Pelotas, que também é a nossa história. Em breve divulgaremos esse material pra galera saber um pouco mais sobre esse assunto.
       .                                                                                                                                                      ANA >Agora falem um pouquinho da história do Squatt 171, de como ele surgiu… Aliás, porque o nome “171”?
Coletivo Tranca Rua < O Squatt 171, espaço contracultural, “caverna” (como era chamada pela gurizada da rua, porque aqui não tinha luz elétrica), “casa encantada” ou sabe-se lá qual outro nome pode ter, surgiu de uma necessidade do Coletivo Tranca Rua de ter um lugar para habitar, pensar e praticar o anarquismo. Este lugar não poderia ser outro que não uma okupação por pensarmos que todas as propriedades devem servir àqueles que as são próprias: as pessoas… e por não querermos colaborar com a bosta do mercado imobiliário.
A primeira vez que a 171 foi okupada era o ano de 2005, o dia 4 de abril. Essa data marca também o início das atividades do coletivo, que na época não tinha esse nome (na verdade não tinha nome nenhum). Essa foi uma okupa relâmpago, porque a galera okupou num dia e foi desalojada no outro pela polícia junto com os donos do imóvel. Legalmente, esta casa pertence ao DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e na época eles estavam quase perdendo a casa para um cara que estava em um processo de usucapião.
Depois desse desalojo, o DCE colocou um cara pra morar nessa casa, mas ele foi embora logo depois e a casa ficou abandonada. E lá fomos nós. Okupamos a 171 pela segunda vez em meados de 2007, e no dia que entramos o tal cara apareceu (depois de um ano sem dar as caras por aqui) e nós fomos desalojados de novo… durante esse tempo o coletivo desenvolvia outras atividades…
O que se seguiu a este período foi uma série de okupações, onde umas duraram mais e outras menos, em algumas a gente saía pacificamente, em outras debaixo do cacete, como foi o caso do Squatt Tranca Rua (nome que ficou para o coletivo depois do desalojo), onde ficamos três meses. Essa okupa foi muito interessante para nós porque nos deu experiência para lidar com as questões que envolvem uma okupação urbana.
No período que se seguiu ao desalojo da Tranca Rua, outras pessoas somaram ao coletivo, que se transformou em um coletivo de intervenção e ação direta nas ruas… mas o negócio de não ter um espaço físico para morar, compartilhar e vivenciar a anarquia nos mantinha um tanto engessados. Foi aí que decidimos okupar a 171 pela terceira vez. Mas aí fizemos diferente… fomos conversar com o pessoal do DCE, mas eles não estavam nem um pouco interessados em usar a casa, nem em deixar alguém usar. Depois de muita lenga-lenga, nós perguntamos se eles chamariam a polícia se nós reokupássemos a casa. Como a resposta foi negativa (afinal, ficaria muito feio pra eles, que não usavam a casa pra nada, chamar a polícia para bater em quem queria fazer algo com o espaço) nós entramos e cá estamos. A okupa completou 2 anos no final de 2011. Ah! Alguns chamam de 171 por causa do número de endereço da casa, que é… 171.
  

ANA > Então a okupação serve como moradia e espaço cultural?
Coletivo Tranca Rua < Sim. Nossa proposta com este espaço é garantir um canto para a vivência libertária, obviamente, num sentido fraco, já que viver isso plenamente numa cidade é muito difícil, e divulgar as ideias e a cultura libertária. Basicamente, nossa intenção aqui é criar espaços que rasguem com a malha da ordem sistemática da sociedade e propiciem o florescimento da anarquia.
ANA > E quais as atividades regulares do espaço?
Coletivo Tranca Rua < Isso varia com o tempo. Têm o grupo de estudos anárquicos que funciona de forma semestral, nesse momento estamos no recesso dessa atividade, digamos assim. Nesse grupo nós fazemos leituras coletivas e discussões em cima de textos clássicos e contemporâneos anarquistas. Recentemente as meninas daqui criaram o grupo Desconstruindo Gênero, cuja proposta é discutir temas ligados ao corpo e autonomia da mulher, com oficinas práticas e discussões. Também acontece, meio desordenadamente, o cine debate, com projeções e conversas sobre temas variados e previamente noticiados, e nesse momento estão acontecendo os cursos de verão da 171, que constituem-se em uma série de oficinas voltadas para a comunidade em geral.
Além disso, produzimos um programa anarquista na Rádio Comunitária de Pelotas, chamado Subversão.
Fora essas atividades fixas, acontecem muitas outras espontâneas, sejam elas puxadas pelo Coletivo Tranca Rua, ou que a gente acaba se agregando, se apropriando ou simplesmente somando forças.

ANA >Todo tipo de gente frequenta a okupação?
Coletivo Tranca Rua < O pessoal que frequenta a 171 é bem variado, acho que com exceção dos fascistas e partidários fanáticos, tem de tudo.

ANA > E é um lugar culturalmente conhecido na cidade?
Coletivo Tranca Rua < Essa é uma questão complicada de responder. Acreditamos que em alguns setores da sociedade somos mais conhecidos que em outros. Entre os estudantes, movimentos sociais e o pessoal que mora nos bairros próximos somos bem conhecidos. As pessoas que participam das atividades que acontecem aqui, normalmente, ajudam a divulgar o que está rolando no espaço e é assim que mais ou menos funcionam as coisas por aqui.

ANA > A okupa completou 2 anos. Qual o salto qualitativo desde a sua criação?
Coletivo Tranca Rua < É gigantesco. Muita coisa melhorou desde que ocupamos a casa, tanto em estrutura física, quanto nas dinâmicas e relações dentro do espaço. Quando o ocupamos, era uma casa caindo aos pedaços, passamos quase um ano sem energia elétrica e com poucos recursos para a reforma da casa. Nessa época dormíamos em barracas dentro da casa. Quando chovia, não tinha como fazer nenhuma atividade (e aqui em Pelotas chove muito). O pátio era cheio de entulho e poucas pessoas colaboravam pra melhorar o espaço. Mas tocávamos as atividades na medida do possível. Com o tempo, fomos ficando conhecidos fora de Pelotas e mais pessoas que passavam pela cidade apareciam por aqui. Essas pessoas quase sempre contribuíam para elevar o nosso ânimo (claro que de vez em quando apareciam alguns que só atrasavam o andamento das coisas) e aos poucos tudo foi tomando forma. Hoje a nossa situação já é bem diferente, podemos conversar sem se preocupar que o telhado caia nas nossas cabeças.

ANA > A okupa já foi alvo de alguma agressão fascista?
Coletivo Tranca Rua < Não, esse tipo de situação já ocorreu nas ruas com algumas pessoas do coletivo, mas nunca atacaram a okupa. Eles não seriam tão loucos de aparecerem por aqui.

ANA > Vocês também editam um jornal, certo?
Coletivo Tranca Rua < Sim. O “Povo Livre” é um informativo aperiódico que editamos desde 2005, mas que tomou corpo somente em 2008, quando começamos a imprimir em intervalos menores de tempo. Hoje o “Povo Livre” já vai para a 15° edição, com artigos, notícias e coisas do gênero, que circundam o anarquismo.

ANA > Recentemente vocês organizaram a “I Feira do Livro Independente e Autônoma de Pelotas”. Qual o balanço que vocês fazem desta jornada?
Coletivo Tranca Rua < Foi a primeira feira do livro que organizamos. A nossa proposta era (e segue sendo) reunir alguns artistas independentes que se expressam através da música, do teatro, da dança, e, principalmente da literatura para construir um espaço onde pudéssemos compartilhar nossos trabalhos. Apesar dos contratempos, muita coisa rolou harmonicamente, tivemos a oportunidade de conhecer uns trabalhos independentes muito bons e estreitar alguns laços. Na 14° edição do “Povo Livre” colocamos um relato da FLIA com mais detalhes do que rolou no evento. A nossa ideia agora é organizar a segunda edição da feira para o início do mês de abril, quem quiser unir força na construção será muito bem-vindo.

ANA > Além das atividades de interesse cultural e políticas, na okupa há também iniciativas agroecológicas?
Coletivo Tranca Rua < De certa forma. Temos uma humilde horta em nosso quintal, onde plantamos algumas leguminosas, ervas e hortaliças para consumo próprio. Alguns de nós somos muito ligados a agroecologia e a permacultura, buscando formas alternativas de construção como o barro e o telhado vivo (que está em fase de construção). Tentamos, apesar de vivermos em um espaço urbano, colocar essas atividades em prática, em parceria com outros coletivos também.

ANA > Essa é a primeira experiência okupa em Pelotas ou tem notícias de outras?
Coletivo Tranca Rua < Que nós temos conhecimento, em 4 de abril de 2005 a primeira casa de cunho anarquista foi okupada nessa cidade, eram quatro compas que na época formavam o que é hoje o Tranca Rua. Provavelmente, muitas outras okupas rolaram por aqui para os mais variados fins, mas sobre isso não temos informação suficiente para falar. Algo que temos que ressaltar é a profunda influência que tivemos de okupas mais antigas, principalmente dos anarcopunks de Porto Alegre, cujo movimento em torno desta prática já perdura por alguns anos.

ANA > E como está atualmente o panorama de espaços okupados no Rio Grande do Sul?
Coletivo Tranca Rua < Talvez este nosso panorama deixe de fora muitas okupas ou iniciativas semelhantes que existam pelo Rio Grande do Sul, por falta de conhecimento ou de relações. O que podemos é falar um pouco sobre nossos compas okupas mais próximos. Provavelmente, a cidade de Porto Alegre seja a mais agitada no que se trata de okupações de cunho político e/ou anárquico. Podemos citar aqui o Bosque Ibirapijuca e a Comunidade Autônoma Utopia e Luta; A primeira é fruto de um movimento Squatter que já deve ter uns seis anos de atuação em Porto Alegre, e está nesse momento correndo sério risco de desalojo devido a reorganização do espaço urbano para receber a Copa do Mundo de 2014, e a segunda é uma comunidade autônoma que habita um edifício okupado no centro de Porto Alegre que serve de moradia e espaço social. Se não nos enganamos ela começou como uma demanda do Movimento de Luta Pela Moradia e, existindo há mais de cinco anos, transcende este propósito, sendo um lugar de resistência e formação política.
Ao mesmo tempo em que alguns espaços sofrem ou são ameaçados de desalojo, outros nascem por aqui. Como é o caso do Squatt Atazana de Rio Grande, que tem algumas semanas de existência, e pretende ser mais um espaço fértil para a cultura e ação libertária. E falando em Rio Grande, também podemos citar os terrenos okupados pelo Coletivo Catch a Fire no Cassino, cuja proposta é fomentar a prática agroecológica urbana e educacional.

ANA > E como vai a movida anarquista em Pelotas?
Coletivo Tranca Rua < Hoje, a movida anarquista em Pelotas é puxada pelo Coletivo Tranca Rua e indivíduos que fazem o anarquismo à sua forma, como por exemplo, nosso companheiro Jarbas Lazzari, produtor do programa de rádio “Samba e Liberdade”, um dos primeiros programas a abordar a temática anarquista em Pelotas.

Fonte: ANA - AGENCIA DE NOTICIAS ANARQUISTAS.


Mais infos: http://coletivotrancarua.noblogs.org/

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